Vivia num
cárcere. Seus gestos eram milimetricamente calculados. E até se acostumara a
ser comedida na fala, no sorriso e no pensamento. De uma criança alegre e
ousada, tornara-se uma adulta desconfiada. Tudo ao seu redor poderia ser sinal
de ameaça. Não sabia mais se relacionar com leveza. E seu discurso era, às
vezes, abrupto e descontrolado. Todos tinham medo de chamar sua atenção. Aos
poucos, afastava de si os amigos, os colegas de trabalho e os familiares. E se
afastava de si mesma.
E vivia num
cárcere. Repetia suas atitudes diárias como que em movimentos simulados.
Chegava em casa correndo para deixar o jantar à mesa. Precisava cumprir o
protocolo de recebê-lo envolvida no avental que ele dera a ela. O marido, como
de costume, entrava em disparada para o banho. Envolvido com seus problemas de
trabalho, não notava o vai e vem da esposa para agradá-lo. Ela, por sua vez, se
saciava só em vê-lo devorar os quitutes que fizera. Não trocavam muitas
palavras.
Era um cárcere.
A cama era o único lugar onde se comunicavam. Ele reclamando dos defeitos e deslizes
dela. Ela calada, tentava esboçar uma reação, mas tinha medo do que sua atitude
poderia gerar. E seguiam construindo uma vida de aparências. Nas redes sociais,
os poucos momentos em que ainda se divertiam eram estampados, compartilhados e
curtidos. Ela conseguira, a muito custo, a autorização do marido para expor o
casal para Deus e o mundo. Era ali que conseguia respirar um pouco de
liberdade. Mas dentro de casa era um cárcere.
Um cárcere. Tinha dificuldade de romper com
esta situação. Tinha medo da liberdade. Não sabia o desconhecido que seria sua
vida sem a presença do marido. Tinha medo de dar o primeiro passo. Tinha medo
mesmo da sua felicidade. Acomodada, ela raramente se dava conta que a falta de
atenção a incomodava. No fundo tinha esperança que sua vida voltasse a ser das
alegrias dos primeiros encontros.
Cárcere. Presa,
ela não se sentia sufocada. Era como se esta situação fosse a única solução
para sua vida. Não havia possibilidade de mudança. Estava fadada ao insucesso.
Esquecera até que nos tempos de escola era ela quem ganhava todas as medalhas
de ouro nas competições de natação. Estava resignada à condição frustrante de
viver sem perspectiva de lutar pela sua vida. Porque até a sua alma estava aprisionada. Sem forças, ela
tentava também atentar contra a própria vida, mas se dera conta que morrera
desde o primeiro dia em que se sujeitara a viver no cárcere. (Thiago Camara)
Texto sensacional!
ResponderExcluirUau, lindo, Thithi!
ResponderExcluirTem um quê de Clarice Lispector =)
Que bom que gostaram!
ResponderExcluirMano, com certeza tem muito de Clarice, que vc tão gentilmente me apresentou!