Seus dias eram
amargos. Todos escondidos com um sorriso dissimulado. Era a caçula de seis
filhos. Apesar de sempre ter as atenções voltadas para ela, metera na sua
cabeça que os pais não se importavam com seu crescimento. Eles trabalhavam duro,
em horário comercial, para poder sustentar a penca de crianças que bagunçava a
modesta casa de três quartos. Com carinho era tratada pelos irmãos. Só que
descobrira que simulando um jeito ranzinza e de perene insatisfação conseguia
mais do que o desejado.
Já adulta,
amargurava as escolhas do passado. À personagem, que interpretava na infância,
se acostumara. Não conseguia mais tirar do palco aquela que por tantos anos foi
seu álibi e sua fonte de prazeres inesgotáveis. Na escola e na faculdade não
encontrou quem pudesse cair na sua armadilha de ser sempre a vítima do mundo.
Seguia seus dias sem alegria. Mas o sorriso disfarçava sua insatisfação. Era
difícil admitir que seu jogo de cena a levou para um buraco profundo de
solidão.
Resmungava. E
nada mais lhe parecia valer à pena. Sua vida esperava uma chance de mudar. Até
que num raro momento de leveza e sinceridade... Um simples encontro no café da
empresa em que trabalhava a aproximou daquele colega. Seu coração, que vivia
abarrotado de mágoas, nunca percebera o olhar malicioso do companheiro de
andar. Passaram a encontrar-se diariamente, no meio da tarde. Ela reluzia de
esperança. Sonhava em livrar-se do buraco em que se encontrava. Ele, com seu
jeito cortês e agradável, arrancava boas risadas daquela que só se permitia
sorrir forçadamente.
Começaram a
namorar e, como se sabe, no início tudo são flores. Se distanciou, de fato, do
seu papel de toda vida. Até que nos primeiros desentendimentos, não resistiu.
Como deixar de ser vítima e perder discussões, deixar de fazer sua vontade,
conceder ao outro a honra de sair vitorioso sobre ela? A primeira discussão foi
feia. Mas sua capacidade de interpretar fez com que o namorado voltasse atrás e
abandonasse sua razão. Seguiram assim até completarem nove meses. Sufocado, no
desespero de sempre precisar agradá-la, ele se viu cada vez mais distante de si
e não agüentou... Pediu demissão, trocou o número do seu celular e voltou para
sua cidade, no interior. Ela desesperada viu-se afundando mais uma vez no
buraco da solidão. Mas, como sempre fizera durante toda a vida, logo estampava
um sorriso para disfarçar sua dor.
Agora tinha
tempo de sobra para culpá-lo. Mais do que para perdoá-lo do abandono abrupto e
entender as razões para o seu sumiço. Chorava escondido, nutria sua raiva
constante por Deus e pelo mundo. E de tanto olhar para suas lamentações, perdia
mais uma vez a chance de reconhecer nela mesma o motivo dos seus dias
continuarem a ser amargos. (Thiago
Camara)