Boa parte do Brasil, inclusive este blogueiro, acompanhou com militância “Avenida Brasil”, novela das nove, da Rede Globo. Este folhetim, de fato, é envolvente e bem escrito. Mas o tema central do enredo não é lá muito novo assim. A vingança tem sido assunto recorrente nas últimas novelas globais exibidas no horário nobre. Povoou os capítulos de “A Favorita” (2008), de João Emanuel Carneiro, o mesmo de Avenida Brasil; “Passione” (2010), de Silvio de Abreu; Fina Estampa (2011), de Aguinaldo Silva, entre outras.
Dizem que ela é um prato que se come frio. Outros afirmam que ela não compensa. O fato é que a vingança ilude, cega e dá uma falsa sensação de justiça. A pessoa que se deixa dominar por este sentimento se perde nele mesmo e ainda tem a pretensão de fazer o papel de Deus, nesta ânsia em dar o troco por algum mal realizado. Vamos à novela. Rita/Nina passou sua vida inteira com a ideia fixa de se vingar de sua madrasta Carminha por um roubo cometido e todo mal praticado contra o seu falecido pai. Nesta obsessão por acabar com a vida da ex-madrasta, Nina perde referenciais, valores, e até o amor que nutre por Batata/Jorginho seu namorado de infância que conheceu no lixão onde morou. O papa João Paulo II dizia que “o homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido...”. Sendo dominada pelo sentimento da vingança, Nina perde sua beleza e generosidade, além de passar a ser estranhada por aqueles que conviviam com ela anteriormente ao plano ser colocado em prática.
Apesar de acompanhar a novela, achei pesado o núcleo central que envolve as protagonistas mesmo para horário em que é veiculada. Suas cenas são carregadas de tensão. Num Brasil ainda com alto índice de analfabetismo, temos milhares de analfabetos midiáticos. E é aí que mora o perigo. A força da TV é tão grande, que o povo pode adotar a vingança como prática instituída, na ausência de uma justiça eficaz e rápida, e transformar o faz de conta em ação, a ficção em realidade.
O que me pergunto é por que não se contam histórias que podem ir além do simples entretenimento? Num Brasil tão manchado pela corrupção, desonestidade, ganância e injustiça, a novela brasileira pode tratar de valores. Falar de valores é falar de vida, é dar ao ser humano aquilo que o preenche como indivíduo. E não me venham dizer que estes assuntos não dão audiência. Aqui neste blog já escrevi sobre a bela novela das seis, de Lícia Manzo, "A Vida da Gente". O folhetim abordou dramas reais e existenciais de seus personagens. Suas dificuldades com as surpresas da vida, angústias pelas escolhas que fizeram e pelos papéis que desempenharam nos relacionamentos uns com os outros.
João Emanuel Carneiro optou pelo caminho inverso. Ao invés de valorizar coisas boas, trouxe à tona a sujeira que a humanidade se permite viver. Fez uma novela realista. O pano de fundo, não poderia ser mais simbólico: um lixão. Lá tudo começou e deve terminar. As protagonistas foram criadas numa condição sub-humana de se trabalhar. Catando restos, tralhas e trecos, e ao saírem de lá permaneceram impregnadas de imundícies que mancharam até suas almas e caráter. O fato de viverem dia a dia com o lixo não justifica nenhuma de suas atitudes no decorrer do folhetim. E nem que no lixo só haja sujeira e podridão. Como diz o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre: “O importante não é o que fizeram de nós, mas o que nós mesmos fazemos com aquilo que fizeram de nós”.
Nesta realista novela, com Carminha o autor mostrou como se pode estar rodeado de pessoas hipócritas que fazem discursos, invocam o nome de Deus, mas não vivem o que dizem. E ao mesmo tempo, de como o mundo é feito de Adautos que não sabem nem se expressar direito, mas tem uma retidão de coração e caráter inabaláveis. Ou de um Tufão que para amenizar sua culpa de ter atropelado um homem, deixa-se enganar pela suposta viúva abandonada. Além dos apaixonados Jorginho que não desistiu do seu grande amor, e Monalisa que por comodismo quase perdeu seu Tufão para sempre.
Voltando à ficção. “Avenida Brasil” é um exemplo de afinação entre texto e direção. Suas cenas ficarão na memória da teledramaturgia brasileira. Cenas que nos faziam pensar que se tratava de um filme, em plena sala de casa. Mesmo com o deslize do núcleo Zona Sul que com uma história piegas não teve fôlego para chegar ao final da novela, o saldo é positivo. Com drama, suspense, comédia e ação. Uma mistura boa e inquietante. Talvez este tenha sido seu maior mérito: saber contar bem sua história. (Thiago Camara)