A personagem Ana Fonseca pode se conhecer melhor na trama das 18h |
“A vida da
gente” faz jus ao nome escolhido para o folhetim das 18h, da Rede Globo. Como um primo meu, psicólogo, costuma dizer:
“esta novela é toda trabalhada na relação”. As cenas se passam, normalmente,
entre duas pessoas, com closes em seus rostos e realce em suas expressões, e os
diálogos são os verdadeiros protagonistas da trama escrita por Lícia Manzo.
No início da
novela chamava atenção o fato da história não possuir nenhum vilão e ao mesmo
tempo conseguir fazer sucesso num horário pouco nobre. Mais do que isso. “A
vida da gente” conseguiu trazer para a ficção dramas reais e dilemas
verdadeiros que vão muito além das maluquices de personagens caricatos que
temos aos montes na televisão brasileira.
É, também, um
folhetim que deu espaço para o autoconhecimento. A personagem de Fernanda
Vasconcellos, Ana Fonseca, principalmente nesta reta final da trama, faz uma
viagem para dentro dela mesma. E descobre, a partir dos seus sentimentos e
ações, que a pior mentira é aquela que dizemos para nós mesmos. Que se esconder
e simular seus desejos para satisfazer, sempre, o que a mãe, brilhantemente
representada por Ana Beatriz Nogueira, projetava nela, pode ter sido o grande
vilão da sua história. Quando abrimos mão de sermos os protagonistas do enredo
que é nossa vida, corremos o risco de sermos marionetes nas mãos de quem tem
influência sobre nós ou passamos a viver controlados pelos nossos sentimentos e
emoções. Ana percebeu que, habituada a repetir gestos que ela pensava ser o
melhor para ela, nunca tinha tido a oportunidade de encarar suas escolhas de
frente. Terceirizar nossas decisões pode ser um artifício para não nos
depararmos com os duros fatos que nos cercam, mas podem evitar uma surpresa
inesperada no futuro. Foi o que aconteceu com a personagem de Fernanda.
Falei da
protagonista, mas posso citar vários outros personagens que também encaram com
dureza suas realidades. Como o casal Cícero (Marcelo Airoldi) e Suzana (Daniela
Escobar) que se descobre distante e esfriado em sua relação. Quando a esposa
resolve expor a situação, o maridão se veste de todo poderoso e impregnado por seu
orgulho rejeita recuperar a relação a dois para esconder a responsabilidade da
sua ausência por estarem naquela situação.
Quem disse que
um produto audiovisual na TV aberta não pode nos fazer refletir? Quem subestima
a audiência, achando que num horário mais nobre este tipo de história não vai
fazer sucesso? Os que ficam com uma visão cristalizada dos meios de comunicação
como grande mal da humanidade não vão perceber que “A vida da gente” presta um
grande serviço público ao deixar no ar, entre as cenas transmitidas e a
assimilação da audiência, um espaço para as pessoas refletirem sobre as suas
escolhas. Além disso, a novela revela que sempre é tempo de mudar. E recomeçar
só é próprio de quem tem a coragem de se aventurar na busca de si mesmo. Assim
seremos melhores internamente e com certeza os que estão a nossa volta serão os
mais beneficiados com isso.
Mais importante
do que descobrirmos com quem Ana Fonseca vai ficar no final, se casará e se será
feliz para sempre, é percebermos de que forma a vida da gente pode ser
impactada com as verdades que a ficção nos fez a gentileza de expor na telinha. (Thiago Camara)