quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

"A vida da gente"



A personagem Ana Fonseca pode se conhecer melhor na trama das 18h 


“A vida da gente” faz jus ao nome escolhido para o folhetim das 18h, da Rede Globo.  Como um primo meu, psicólogo, costuma dizer: “esta novela é toda trabalhada na relação”. As cenas se passam, normalmente, entre duas pessoas, com closes em seus rostos e realce em suas expressões, e os diálogos são os verdadeiros protagonistas da trama escrita por Lícia Manzo.   
No início da novela chamava atenção o fato da história não possuir nenhum vilão e ao mesmo tempo conseguir fazer sucesso num horário pouco nobre. Mais do que isso. “A vida da gente” conseguiu trazer para a ficção dramas reais e dilemas verdadeiros que vão muito além das maluquices de personagens caricatos que temos aos montes na televisão brasileira.
É, também, um folhetim que deu espaço para o autoconhecimento. A personagem de Fernanda Vasconcellos, Ana Fonseca, principalmente nesta reta final da trama, faz uma viagem para dentro dela mesma. E descobre, a partir dos seus sentimentos e ações, que a pior mentira é aquela que dizemos para nós mesmos. Que se esconder e simular seus desejos para satisfazer, sempre, o que a mãe, brilhantemente representada por Ana Beatriz Nogueira, projetava nela, pode ter sido o grande vilão da sua história. Quando abrimos mão de sermos os protagonistas do enredo que é nossa vida, corremos o risco de sermos marionetes nas mãos de quem tem influência sobre nós ou passamos a viver controlados pelos nossos sentimentos e emoções. Ana percebeu que, habituada a repetir gestos que ela pensava ser o melhor para ela, nunca tinha tido a oportunidade de encarar suas escolhas de frente. Terceirizar nossas decisões pode ser um artifício para não nos depararmos com os duros fatos que nos cercam, mas podem evitar uma surpresa inesperada no futuro. Foi o que aconteceu com a personagem de Fernanda.  
Falei da protagonista, mas posso citar vários outros personagens que também encaram com dureza suas realidades. Como o casal Cícero (Marcelo Airoldi) e Suzana (Daniela Escobar) que se descobre distante e esfriado em sua relação. Quando a esposa resolve expor a situação, o maridão se veste de todo poderoso e impregnado por seu orgulho rejeita recuperar a relação a dois para esconder a responsabilidade da sua ausência por estarem naquela situação.
Quem disse que um produto audiovisual na TV aberta não pode nos fazer refletir? Quem subestima a audiência, achando que num horário mais nobre este tipo de história não vai fazer sucesso? Os que ficam com uma visão cristalizada dos meios de comunicação como grande mal da humanidade não vão perceber que “A vida da gente” presta um grande serviço público ao deixar no ar, entre as cenas transmitidas e a assimilação da audiência, um espaço para as pessoas refletirem sobre as suas escolhas. Além disso, a novela revela que sempre é tempo de mudar. E recomeçar só é próprio de quem tem a coragem de se aventurar na busca de si mesmo. Assim seremos melhores internamente e com certeza os que estão a nossa volta serão os mais beneficiados com isso. 
Mais importante do que descobrirmos com quem Ana Fonseca vai ficar no final, se casará e se será feliz para sempre, é percebermos de que forma a vida da gente pode ser impactada com as verdades que a ficção nos fez a gentileza de expor na telinha. (Thiago Camara)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O coração que ama








Tava faltando você chegar para meu coração de novo se alegrar. Ele andava abatido. Batia devagar, mas reacendia na esperança de te ver voltar. Ele sorria tímido, talvez se guardando para te reencontrar.
Eram muitos sentimentos que se acotovelavam dentro do coração. O que mais chamava atenção era o amor. Ele carregava consigo a saudade, alegria, a paz e a liberdade. O coração sabia bem que sem a liberdade o amor não vai à frente. Ele fica murcho, esmorece até desaparecer de dentro dele. Então ele, que não queria ficar vazio, tratou logo de abrir espaço pra liberdade. Foram os dois preencherem o coração que a reboque chegaram os outros sentimentos. Era a saudade que conversava com alegria, a paz que já era íntima da liberdade...
De repente, o coração, aliviado, nem se deu conta. Você tinha voltado para tomar seu espaço que estava ali, guardado, entre todos os sentimentos que haviam se acomodado.
E ele voltou a se alegrar. Estava mais vivo. Batia intensamente. E o sorriso foi logo denunciando a vontade que aquele coração tinha de continuar te amando. (Thiago Camara)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O Desfile da Vida




Desfile das Escolas de Samba do RJ na Marquês de Sapucaí



Na passarela da vida nosso olhar é a comissão de frente do desfile que fazemos por este planeta. Ele carrega nas costas a escola da nossa história. Com o olhar temos o poder de fulminar ou amar alguém. Ainda que num primeiro encontro, desconfiado, o olhar revela quem somos. Dizem que ele é a “janela da alma”. Ao acessar seus ferrolhos e abrirmos esta janela, quem conosco se deparar pode levar o melhor e o pior de nós para dentro de si. A entrada na passarela do outro começa tímida e constrangida. Mas o que não faltam são fantasias e máscaras para quebrar o gelo de um primeiro contato. No decorrer do desfile, percebemos que quanto maior a escola, mais alegorias e adereços para confundir nossa visão. A revelação da nossa essência torna-se cada vez mais desfocada num emaranhado de cores, brilhos e belezas artificiais. As janelas da alma se abrem todos os dias e em profusão transitam os inúmeros personagens que interpretamos para não prejudicar o conjunto. Ser sincero é o maior desafio que vivemos no carnaval constante a que somos submetidos. 

Na levada do samba é levada a autenticidade. O enredo não se expressa de forma clara porque tamanha é a necessidade de expor-se naquilo que não se é. A evolução se compromete. Pelo desfile da vida passam inúmeras pessoas correndo contra o tempo, ou correndo do tempo. No ritmo frenético da bateria, quem desfila neste mundo não sabe mais esperar. Perde-se em harmonia. Ao tempo não é dado o respeito que merece. E é o próprio indivíduo que se esquece que na vida é sempre tempo de alguma coisa. Na loucura de ser tudo num dia só, as colombinas e piratas se apressam para que sua exposição não lhe exija mais do que a veracidade da sua interpretação.   

As dores deste longo desfile brotam e quando se espera o mais sincero choro, uma alegria. Alegria velada para alcançar a nota máxima em falsidade.    

Atravessa o samba, atravessa ao largo aquilo que somos. No chão, confetes, serpentinas, purpurinas, adereços. O fim. Fim de um enredo que não empolgou por não ter revelado o que de mais belo existe no desfile da vida: a verdade. (Thiago Camara)    


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Saudade é...


                                                                                   
O verão europeu em um parque localizado na Villa Borghese, em Roma 


Saudade é fruto do amor. É esperança do reencontro. Faz morada nos sensíveis. Inquieta os amantes. Aumenta o amor dos apaixonados. É um sopro divino revelando um jeito peculiar de ser humano. 

Ressuscita almas entristecidas. Restaura a alegria vivida. Reacende as mais belas experiências do passado. E indica aquilo que pode ser fonte de um presente mais agradável. 
É sentimento que exige pró-atividade. Os passivos se entristecem com ela. Os solitários se desesperam. É doído quando não se consegue controlá-la. É como uma faca constante enfiada no peito que segue sangrando a dor da ausência.


É um desafio encará-la. É exercício diário. Faz rir e chorar. É expectativa de novidade. Faz a alma sincera clamar por um minuto sequer reviver o que passou. Pode ser a lembrança do riso, o velho ombro-amigo, a presença do ente querido, o carinho dispensado ou aquele amasso no carro. Faz suspirar. Inspira o poeta que sufocado canta “chega de saudade!”

Os dias passam rapidamente e, às vezes, a saudade fica adormecida. Espera o instante certo para ser recorrida. Volta e meia dá sintomas de sua existência, mas não tem remédio. Não tem cura, nem dá sinais de deixar de habitar entre nossos sentimentos e emoções. Sem bula para orientação, pega de surpresa até o mais duro coração.

Saudade, na verdade, não se explica.
Não tem tradução.
É experiência.
Saudade...
É vida!
(Foto e texto: Thiago Camara)