quinta-feira, 7 de julho de 2011

Sorria vc está no Facebook

Como numa sintonia fina o jornalista Bernardo Camara, irmão deste blogueiro, escreveu o texto abaixo em sua recente passagem pela África do Sul. O tema é semelhante ao "Exposição" aqui publicado e os apresento esta crônica sul-africana.


Foto: Bernardo Camara
Praia na Cidade do Cabo com Table Mountain ao fundo

Depois de mais um dia pelos pontos turísticos, aquela horda de viajantes voltava para seus hotéis com o dever cumprido: suas câmeras haviam registrado sequências intermináveis de sorrisos. Prova cabal de que levam uma vida mágica e feliz. E, thanks Facebook, nunca foi tão fácil, rápido – e prazeroso – espalhar por aí detalhes de tantas vidas invejáveis e irretocáveis.

Naquele dia, o mar estava agitado, e a tripulação avisou: quem não quiser tomar um banho é melhor se abrigar lá dentro. A proa da embarcação esvaziou de bate pronto. Apesar do sol que brilhava forte, fazia frio. Em torno dos 10ºC. No oceano, a temperatura não ia além dos 5º C. Nem cinco minutos se passaram, dito e feito: a cada onda, uma enxurrada d’água vinha barco adentro.

Enquanto a turistada se espremia lá dentro, fugindo de cada gota, restava uma pessoa lá fora. Com casaco pesado, cabelos encaracolados e desgrenhados pelo vento, aquela senhora já passava dos 70 anos. Nem parecia: a cada onda gelada que molhava todo o seu corpo e escorria por seu rosto enrugado, ela abria um sorriso tão espontâneo e forte que lhe dava aparência de criança.

O maridão, que também não escondia suas sete décadas vividas, a observava com o olhar brilhando: “Ela ama o mar”, explicou, enquanto achava graça da alegria da esposa. Era uma transgressora aquela mulher. Se todos os livros turísticos a bordo fossem consultados, nenhum deles diria que tomar água gelada na cara, na proa de uma embarcação, se enquadra na definição de ponto turístico. Portanto, vá para dentro, junte-se aos outros e aquiete-se, moça.

Ela, porém, sequer levava na bolsa seu guia turístico. Tinha-o na cabeça, e a edição nunca foi fechada: estava em constante construção. Para ela, o bom mesmo não eram os dez melhores restaurantes, os dez melhores museus ou os dez visuais mais bonitos indicados por gente que entende do assunto.

“De vida, deixe que entendo eu”, parecia dizer, a cada nova onda que lhe batia no rosto. De cima de seus 70 e poucos anos e sem perfil nas redes sociais, a cada risada ela denunciava: daquela gente que se esconde do oceano vem uma alegria construída e programada para ir ao ar no Facebook. (Bernardo Camara)

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