Eles achavam que tinham vencido. Levaram nossa dignidade.
Roubaram até nossos ideais. Mas os 20 centavos nos fizeram descobrir quanto
vale mudar o curso da história. O povo despertou do coma profundo. Quase
duas décadas de inércia, paralisia alienante, desembocaram num grito inflamado,
que reverberou pelas ruas do país.
Um formigueiro
humano no Centro do Rio. Uma multidão nas ruas de São Paulo. Momentos pra
eternidade. Mas nesse 17 de junho, não houve momento mais emblemático, ato mais
simbólico, do que a tomada pacífica do Congresso Nacional.
O centro das
decisões políticas do país virou o epicentro dos protestos na capital. A melhor
representação pro que há de pior na política brasileira ontem ganhou um novo
sentido. A marcha começou lenta, subindo a Esplanada a caminho do alvo final.
As armas? Faixas, cartazes e o grito preso na garganta que ecoou já próximo ao
espelho d´água: "O Congresso é nosso", avisavam os manifestantes.
Dez mil vozes
bradando, em uníssono, contra a completa desmoralização da política brasileira.
A perpetuação de Sarneys, Felicianos, Renans (e Agnelos, na esfera distrital).
Os gastos abusivos da Copa do Mundo e das Confederações. Os instrumentos e
mecanismos legais pra garantir a impunidade - traduzida na PEC 37.
Um movimento
apartidário, que se vê agora numa encruzilhada: Que caminho seguir? Que agenda
política adotar? Respondo a esses questionamentos com outra pergunta. Quem se
importa? Melhor um povo que se move por várias causas do que um que se cala por
nenhuma.
Brasília
estancou um verdadeiro conflito DE gerações - não ENTRE gerações! Os mais
velhos revivendo o passado na eterna luta pelo país do futuro que ainda não
chegou.
Mas a cara do
movimento tinha mesmo espinha no rosto e a coragem típica dos jovens. Eles
saíram do facebook. E , como nossos pais já diziam, descobriram que viver é
melhor que sonhar. Muitos deles sequer podem votar. Mas já entenderam que basta
um pouco de vontade pra mudar o país. Outros, viviam uma espécie de iniciação
política – não sabiam bem porque estavam lá, mas impulsionaram o movimento
fazendo coro ao grito.
A essa altura,
a barreira policial já não conseguia conter os manifestantes, que vinham por
todos os lados. Invadiram o teto, ao lado das cúpulas da Câmara e do Senado,
imprimindo um novo conceito à estéticaniemeyeriana. O monumento
projetado pra que pudesse ser visto a quilômetros de distância, agora mostrava
uma faceta desconhecida da cidade.
A rampa do
Congresso escoou a multidão que ali se aglomerava e encurtou o caminho para a
última trincheira antes da invasão, que parecia iminente.
Milhares
reunidos no gramado, a apenas alguns metros do vidro que protege a casa. A veia
saltava. O coração acelerava. As pupilas dilatavam. Braços em riste. Quem ali
nunca sonhou em fazer justiça com as próprias mãos? Mas esse não seria o
desfecho de uma noite gloriosa. Me pergunto se essas horas de tensão serviram
pra amadurecer mais a democracia do país ou os jovens que ali estavam.
Histórias
cruzadas que ainda vão se entremear tantas vezes - nas urnas, nas ruas ou,
porque não, no próprio Congresso? Os manifestantes voltaram pra casa de alma
lavada, só que o protesto não parou por ali.
O recado foi
dado: ninguém aguenta mais! Eles podem até tapar os ouvidos. Fechar os olhos.
Silenciar diante do povo. Mas, com certeza, sentiram o golpe. (Gustavo Serra*)
Gustavo Serra é jornalista, mora em Brasília e acompanhou a tomada histórica e pacífica do Congresso Nacional. "A casa do povo", como é conhecida, assim o foi naquela noite de segunda-feira.
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