segunda-feira, 7 de maio de 2012

Dias amargos




Seus dias eram amargos. Todos escondidos com um sorriso dissimulado. Era a caçula de seis filhos. Apesar de sempre ter as atenções voltadas para ela, metera na sua cabeça que os pais não se importavam com seu crescimento. Eles trabalhavam duro, em horário comercial, para poder sustentar a penca de crianças que bagunçava a modesta casa de três quartos. Com carinho era tratada pelos irmãos. Só que descobrira que simulando um jeito ranzinza e de perene insatisfação conseguia mais do que o desejado.  
Já adulta, amargurava as escolhas do passado. À personagem, que interpretava na infância, se acostumara. Não conseguia mais tirar do palco aquela que por tantos anos foi seu álibi e sua fonte de prazeres inesgotáveis. Na escola e na faculdade não encontrou quem pudesse cair na sua armadilha de ser sempre a vítima do mundo. Seguia seus dias sem alegria. Mas o sorriso disfarçava sua insatisfação. Era difícil admitir que seu jogo de cena a levou para um buraco profundo de solidão.
Resmungava. E nada mais lhe parecia valer à pena. Sua vida esperava uma chance de mudar. Até que num raro momento de leveza e sinceridade... Um simples encontro no café da empresa em que trabalhava a aproximou daquele colega. Seu coração, que vivia abarrotado de mágoas, nunca percebera o olhar malicioso do companheiro de andar. Passaram a encontrar-se diariamente, no meio da tarde. Ela reluzia de esperança. Sonhava em livrar-se do buraco em que se encontrava. Ele, com seu jeito cortês e agradável, arrancava boas risadas daquela que só se permitia sorrir forçadamente. 
Começaram a namorar e, como se sabe, no início tudo são flores. Se distanciou, de fato, do seu papel de toda vida. Até que nos primeiros desentendimentos, não resistiu. Como deixar de ser vítima e perder discussões, deixar de fazer sua vontade, conceder ao outro a honra de sair vitorioso sobre ela? A primeira discussão foi feia. Mas sua capacidade de interpretar fez com que o namorado voltasse atrás e abandonasse sua razão. Seguiram assim até completarem nove meses. Sufocado, no desespero de sempre precisar agradá-la, ele se viu cada vez mais distante de si e não agüentou... Pediu demissão, trocou o número do seu celular e voltou para sua cidade, no interior. Ela desesperada viu-se afundando mais uma vez no buraco da solidão. Mas, como sempre fizera durante toda a vida, logo estampava um sorriso para disfarçar sua dor.
Agora tinha tempo de sobra para culpá-lo. Mais do que para perdoá-lo do abandono abrupto e entender as razões para o seu sumiço. Chorava escondido, nutria sua raiva constante por Deus e pelo mundo. E de tanto olhar para suas lamentações, perdia mais uma vez a chance de reconhecer nela mesma o motivo dos seus dias continuarem a ser amargos. (Thiago Camara)