domingo, 18 de março de 2018

Brasil, o país do silêncio


14 de março de 2018. Dia de barbarie. No Brasil, o país onde o inverso é certo, morre-se por lutar contra a desigualdade. E deve-se permanecer calado, como manda o figurino.
Em choque, as pessoas receberam nas redes socais a notícia da execução de Marielle Franco, vereadora do PSOL eleita com mais de 46 mil votos. Ao que tudo indica ela teria sido vítima de uma execução após denunciar excesso nas atitudes de policiais militares contra moradores em Acari. Eles eram do 41° Batalhão da PM, o que mais mata no Rio.
A vereadora carioca, cria da favela da Maré, junta-se a outros brasileiros que foram silenciados por ecoarem os erros de um Estado corrupto, de instituições inoperantes, de agentes da lei que agem contra ela. Vladimir Herzog, Edson Luís, Chico Mendes, Irmã Dorothy, juíza Patrícia Acioli… Inúmeros brasileiros tentam denunciar todos os dias as injustiças sociais que aumentam a violência e impedem que haja oportunidade para todos no Brasil. Mas essas vozes têm que ser caladas.
O podre sistema que rege esta nação garante a certeza da impunidade de assassinos, como os de Marielle. Matar a vereadora covardemente é um recado claro: não é permitido questionar a situação vigente. É um atentado [grave] à democracia.
Calar Marielle é uma tentativa de calar um partido que por anos vem expondo e combatendo por meio de denúncias e CPIs as ações de grupos de milicianos ligados a parlamentares que habitam a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Além de denunciarem a quadrilha PMDB que extorquiu o Estado por anos e hoje segue sem rumo na gestão estadual. Concordando ou não com as bandeiras do PSOL, é leviano e superficial dizer que eles defendem bandidos. Defenderiam os seus algozes?
Ter voz e vez no Brasil é para poucos. E privilegiados são os que já recebem benesses. Juízes são ouvidos. Entram em greve por auxílio-moradia, muitas vezes maior que salários de professores e policiais, e não há indignação. Políticos acusados e investigados por corrupção são ouvidos e absolvidos. Seja pelos seus pares, seja por um judiciário conivente que o faz em troca de manter seus benefícios.
Quando Marielle trouxe para o meio político a representatividade feminina e do povo negro, favelado e LGBT, um feito histórico se fez. Mas sua voz não pode gritar. O Brasil é o país onde a luta é um problema. E manter essas parcelas da população à margem e em silêncio não é problema… é solução.
A morte de Marielle é mais uma tentativa de impor silêncio aos marginalizados brasileiros.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Ódio





Eu vejo ódio por todos os lados
Ódio branco, ódio negro
Ódio nos olhos, ódio no gesto
Ódio por ódio
Ódio imigrando,
Ódio se espalhando
Ódio religioso, ódio silencioso,

envenenando mentes, afastando gente...

Ódio incumbado, ódio saindo do armário
Ódio de crente, ódio pesado
Ódio que vira arma, ódio que mata
Ódio entre irmãos, ódio entre cidadãos
Ódio recorrente.


Ódio que tira a esperança da gente... 

(Thiago Camara)

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Portela: a campeã sem o título


Eu vi aquela águia enorme adentrando a Marquês de Sapucaí, no segundo dia dos desfiles 2015. Suas asas abertas acolhiam o público que retribuía com empolgação. Arrepiado, pensei: “Que entrada triunfal. Essa é a Portela campeã”.

Imponente, luxuosa e cariocamente cativante. Numa mistura de modernidade e tradição, a Portela desfilou majestosa. Os membros da escola já faziam sentir que seria um carnaval diferente nos ensaios na quadra quando entoavam: “tão bela! Orgulhosamente a Portela”.

A cada setor que passava o lindo samba-enredo da azul e branco de Madureira emocionava. E foi já no final da avenida pouco antes da Praça da Apoteose que, na minha opinião, a Portela se consagrou campeã de um carnaval que não levou.

Aquela gigantesca águia redentora de asas abertas fez da sua coreografia o clímax do desfile. Para passar pela torre de imprensa, a alegoria foi abaixando, abaixando e o público vibrando, indo ao delírio, torcendo. E este repórter impactado, se viu vibrando junto, deslumbrado com tamanha genialidade de fazer do Carnaval essa necessária interação com sua platéia.


Meu coração meio Salgueiro, meio Mangueira, hoje respeita e admira a Portela. Eu vi uma campeã se consagrar na avenida. Vi um desfile triunfal. Vi uma escola buscar o tão esperado título. Vi esforço, vi alegria, vi carnaval de verdade, com samba no chão e na voz. Mas os jurados não viram... Talvez não tenham assistido o mesmo desfile que eu vi.

Thiago Camara é jornalista e trabalhou no Carnaval 2015 fazendo a cobertura dos Desfiles do Grupo Especial para o Portal IG.      

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Perdida vida



Vida humana perdida.
Se morrem 20 poucos na França, comoção mundial. 
Já na Nigéria mais de 2000 se vão e não se vê manifestação. 
Que diferença faz? 
Os pobres alegres do continente esquecido nunca serão capa de jornal.
A burguesia atingida é lucro, oportunismo e a hegemonia sempre prevalece.
Europa continente rico, tragédia é anormal. 
Mama África pobrezita sempre será relegada a vergonha internacional.
Vida humana perdida? 
Não. 
Depende da sua cor, do seu lugar no mapa, da sua relevância. 
Ou serás para sempre Perdida vida humana... (Thiago Camara)

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Irmã Dulce



Está em cartaz um filme leve, belo e emocionante. “Irmã Dulce”, de Vicente Amorim, traz a história da freira baiana que não teve medo de regras e não se omitiu em enxergar “o próximo como a ti mesmo”, com grifo, como disse certa vez em uma entrevista.

Obstinada, perseverante, humana. Irmã Dulce foi uma missionária incansável nas ruas de Salvador. Recolhia os marginalizados, cuidava dos doentes e, sobretudo, dava a tantas pessoas a oportunidade de ter dignidade – “o que deveria ser essencial” – em mais uma de suas frases certeiras.

Bianca Comparato e Regina Braga dão vida à jovem freira que tinha intimidade com Deus e com seu santo de devoção, Antônio. Suas cenas revelam uma mulher atrevida e ousada que não media esforços para ajudar o próximo. Conhecida como o “Anjo Bom da Bahia”, Dulce foi além das paredes do convento para expressar a sua fé. Quebrando regras da congregação ia para as ruas da capital baiana, à noite, se encontrar com aqueles que davam sentido à sua crença.

Para cuidar dos seus pobres ela pedia dinheiro em todos os lugares. Das feiras aos gabinetes dos políticos. Conseguiu inaugurar um hospital onde antes se localizava o galinheiro do Convento de Santo Antônio. E não parou mais até seu falecimento em 1992.  

O Brasil tem a oportunidade de conhecer nas telas dos cinemas um tipo de gente profundamente comprometido com a humanidade. Ver a história de Irmã Dulce humaniza e é exemplo de diálogo, fé, esperança e caridade.

Apesar do seu processo de canonização estar em andamento no Vaticano, para o povo baiano Dulce já é uma santa dos nossos tempos. Os números das Obras Sociais que iniciou revelam um verdadeiro milagre. São 4 milhões de atendimentos ambulatoriais por ano utilizados por usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), 1.005 leitos para o atendimento de patologias clínicas e cirúrgicas e mais de 10 mil cirurgias realizadas por ano. Para um local que era um galinheiro ser transformado em hospital e ainda servir à população é o maior sinal de que o legado de Irmã Dulce permanece até os dias de hoje. (Thiago Camara)

terça-feira, 6 de maio de 2014

Breve vida


 
Vista da praia de Saquarema-RJ onde fica a Igreja de N S de Nazaré



A vida é sopro que passa sem perceber
Quando menos se espera, dispersa
Inverte a lógica natural
Desmonta o menos sentimental
É feita de riso, mas esconde o choro sofrido
É tormenta, mas também alegria anunciada
[A vida] é calmaria e ressaca
Se renova a cada página virada
Reergue o forte e lhe dá um norte
Quando a escuridão da morte
Implacavelmente vem
Vida escolhida
Permanece mistério
Quebra as expectativas
Renova desejos e esconde feridas
Vida rara. Breve vida.

(Texto e foto: Thiago Camara)



quinta-feira, 27 de março de 2014

Lembranças, inquietude e indecisão




      A dor que consome os sentidos parece zumbir os ouvidos atormentando o caminho que se percorreu. As lágrimas correm como um rio que diluem certezas e virtudes revelando indecisão. O vento não soprado é ânsia de um novo tempo aguardado entre folhas e rabiscos pelo chão.

Pode ser fome, pode ser sede, pode ser desesperança, pode ser angústia ou ansiedade que inquietam o coração.

O rastro do sono perdido escolhe um motivo para o consolo bem vindo que acalma e estende a mão.

O choro escondido, o perigo de ser visto, o pensamento arrependido a indecisão de se lançar no risco.



Nada parece ter sentido.

Nem a folha que cai no abismo.

Nem a ave que anuncia a despedida.

Nem a alegria esquecida.
Tudo se move sem brilho.



De repente o sol surge distante. Reacende a claridade e preenche a cidade vazia. As nuvens ensaiam sair de cena para dar lugar ao novo dia. O mar reflete aquele verde de esperança. O vento volta a soprar mudança, a criança dilata aquele sorriso que encanta...

O homem segue em frente e deixa de viver só de lembranças. (Thiago Camara)